LILI

Olá! 

Quem escreve sou eu, Anabela França Pais, mas quando me ausento do lugar confortável que ocupo, na sala de estar, a minha cadelinha de estimação, idosa, desdentada e cada vez mais gulosa e espertalhona, a Lili, parece mesmo gostar de ler o que eu escrevo e descrevo... Interessa-se pelos meus textos poéticos e principalmente pelos narrativos e salta para a cadeira e dá uma vista de olhos... Talvez não goste nada da ingenuidade da dona, preferisse que ela fosse mais cínica, e proferisse palavras cínicas... Creio que estará a fazer alguns progressos nesse sentido, mas vamos ver, nos próximos livros...

Gosta comigo de romances de suspense, mistério, descrições de cidades inventadas por mim, como a Cidade das Sete Pontes, situada em sítio nenhum, fundada na minha imaginação, uma manta de retalhos sobre um mapa citadino, e outras mais que por agora não menciono, personagens que caraterizo, retratando-as pelo interior e exterior, com existência humana como todos nós, completamente transformadas pelo manto diáfano da fantasia, conforme diria o nobre escritor realista Eça de Queirós. 
Observo-a de perto, com a máquina fotográfica na sua direção, preparada para a surpreender. Fica desconfiada, imóvel como um dos objetos da sala de estar, mas fica bem na fotografia. Vejam como é fotogénica! É uma amiga que está ali sentada, nas suas quatro patinhas, a quem só falta conversar, uma companheira de olhar meigo, ternurento e brilhante. Está velha, já perdeu alguns dentinhos, porém adorável, como são os idosos, inteligente, menina e moça e não lhe falta a sua qualidade positiva de ser sempre fiel... 
Cai o sonhinho, adormecendo entre as asas da cadeira e da fantasia dela, porque não se concentra nas leituras, são muitas letras, frases e ideias demasiado aborrecidas, impróprias para ela. Tem medo das palavras que a possam ferir, porque é um bicho sensível. 
Prefere comer, roer um ossinho, abanando a cauda feliz e tranquila ou dormir uma soneca... É fotogénica ao seu jeito e adora este espaço grande, a sala confortável, com lareira quentinha, almofadas macias e imensos livros amigos e excelentes companheiros da dona. A sala fica voltada para O Senhor da Serra, a colina verde que se contempla da minha janela enorme. Pretende esconder-se de mim. Não sei se é a brincar! Se joga às escondidas. Pelo menos, quando está a trovejar, ninguém sabe dela... Está atrás de um sofá ou debaixo de uma cama a tremer de medo. Baixa-se na cadeira porventura receando que eu a incomode com a máquina. Não quer mais fotografias! Aprecia mais o descanso e a natureza do que a máquina! É nervosa e tímida, ah e sofre do coração...
Aqui no meu lar, como um ninho, neste conforto, em conformidade com a paz e o silêncio que me agradam tanto, aqueço-me no inverno, perto da lareira. Vejo as curvas que nos elevam para o cume da serra, observo os pinheiros verdejantes que restaram heroicamente após os incêndios no estio, a beleza das árvores que preenchem quase toda a encosta, que deveria ter sido preservada, mas enfim, as chamas ateadas agressivamente prepararam-lhe uma pequena tonsura quase no cocuruto... 
A Lili faleceu no dia 11 de maio de 2018. Está sepultada no meu jardim e sobre ela há diversas plantas com flores de várias cores, pedrinhas do Baleal, conchas, búzios, e já houve noite e dia, chuva e sol... 
















8 comentários:

  1. É uma casa muito bonita e acolhedora!! Posso falar com justa causa ... como hóspede dos sábados temerários, onde me assusta a viagem tarde para a Lousã, após o cinema das nove e "tal"!!! É que, para quem não sabe, a Anabela não é só escritora... também sabe ser AMIGA!!!

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  2. Bela descrição, imaginei-me lá.

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  3. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina...Bjs
    Luís

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  4. Obrigada Luís! Esta página é uma brincadeira!

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  5. muito interessante, muita criatividade...parabéns

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  6. A Lili pelos vistos tornou-se calminha e transmite uma imagem de tranquilidade como a dona .... isto claro além de serem ambas muito bonitas :)

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